CAPÍTULO XIII ( Capitu )

De repente, ouvi bradar uma voz de dentro da casa ao pé:
— Capitu!
E no quintal:
— Mamãe!
E outra vez na casa:
— Vem cá!
Não me pude ter. As pernas desceram-me os três degraus que davam para a chácara, e caminharam para o quintal
vizinho. Era costume delas, às tardes, e às manhãs também. Que as pernas também são pessoas, apenas inferiores aos braços,
e valem de si mesmas, quando a cabeça não as rege por meio de idéias. As minhas chegaram ao pé do muro. Havia ali uma
porta de comunicação mandada rasgar por minha mãe, quando Capitu e eu éramos pequenos. A porta não tinha chave nem
taramela; abria-se empurrando de um lado ou puxando de outro, e fechava-se ao peso de uma pedra pendente de uma corda.
Era quase que exclusivamente nossa. Em crianças, fazíamos visita batendo de um lado e sendo recebidos do outro com
muitas mesuras. Quando as bonecas de Capitu adoeciam, o médico era eu. Entrava no quintal dela com um pau debaixo do
braço, para imitar o bengalão do Dr. João da Costa; tomava o pulso à doente, e pedia-lhe que mostrasse a língua. “É surda,
coitada!”, exclamava Capitu. Então eu coçava o queixo, como o doutor, e acabava mandando aplicar-lhe umas sanguessugas
ou dar-lhe um vomitório: era a terapêutica habitual do médico.
— Capitu.
— Mamãe!
— Deixa de estar esburacando o muro; vem cá.
A voz da mãe era agora mais perto, como se viesse já da porta dos fundos. Quis passar ao quintal, mas as pernas, há
pouco tão andarilhas, pareciam agora presas ao chão. Afinal fiz um esforço, empurrei a porta, entrei. Capitu estava ao pé do
muro fronteiro, voltada para ele, riscando com um prego. O rumor da porta fê-la olhar para trás; ao dar comigo, encostou-se
ao muro, como se quisesse esconder alguma coisa. Caminhei para ela; naturalmente levava o gesto mudado, porque ela veio
a mim, e perguntou-me inquieta:
— Que é que você tem?
— Eu? Nada.
— Nada, não; você tem alguma coisa.
Quis insistir que nada, mas não achei língua. Todo eu era olhos e coração, um coração que desta vez ia sair, com certeza,
pela boca fora. Não podia tirar os olhos daquela criatura de quatorze anos, alta, forte e cheia, apertada em um vestido de
chita, meio desbotado. Os cabelos grossos, feitos em duas tranças, com as pontas atadas uma à outra, à moda do tempo,
desciam-lhe pelas costas. Morena, olhos claros e grandes, nariz reto e comprido, tinha a boca fina e o queixo largo. As mãos,
a despeito de alguns ofícios rudes, eram curadas com amor; não cheiravam a sabões finos nem águas de toucador, mas com
água do poço e sabão comum trazia-as sem mácula. Calçava sapatos de duraque, rasos e velhos, a que ela mesma dera alguns
pontos.
— Que é que você tem? repetiu.
— Não é nada, balbuciei finalmente.
E emendei logo:
— É uma notícia.
— Notícia de quê?
Pensei em dizer-lhe que ia entrar para o seminário e espreitar a impressão que lhe faria. Se a consternasse é que
realmente gostava de mim; se não, é que não gostava. Mas todo esse cálculo foi obscuro e rápido; senti que não poderia falar
claramente, tinha agora a vista não sei como...
— Então?
— Você sabe...
Nisto olhei para o muro, o lugar em que ela estivera riscando, escrevendo ou esburacando, como dissera a mãe. Vi uns
riscos abertos, e lembrou-me o gesto que ela fizera para cobri-los. Então quis vê-los de perto, e dei um passo. Capitu
agarrou-me, mas, ou por temer que eu acabasse fugindo, ou por negar de outra maneira, correu adiante e apagou o escrito.
Foi o mesmo que acender em mim o desejo de ler o que era.

CAPÍTULO XII ( Na Varanda )

Parei na varanda; ia tonto, atordoado, as pernas bambas, o coração parecendo querer sair-me pela boca fora. Não me
atrevia a descer à chácara, e passar ao quintal vizinho. Comecei a andar de um lado para outro, estacando para amparar-me,
e andava outra vez e estacava. Vozes confusas repetiam o discurso do José Dias:
“Sempre juntos...”
“Em segredinhos...”
“Se eles pegam de namoro...”
Tijolos que pisei e repisei naquela tarde, colunas amareladas que me passastes à direita ou à esquerda, segundo eu ia ou
vinha, em vós me ficou a melhor parte da crise, a sensação de um gozo novo, que me envolvia em mim mesmo, e logo me dispersava, e me trazia arrepios, e me derramava não sei que bálsamo interior. Às vezes dava por mim, sorrindo, um ar de
riso de satisfação, que desmentia a abominação do meu pecado. E as vozes repetiam-se confusas:
“Em segredinhos...”
“Sempre juntos...”
“Se eles pegam de namoro...”
Um coqueiro, vendo-me inquieto e adivinhando a causa, murmurou de cima de si que não era feio que os meninos de
quinze anos andassem nos cantos com as meninas de quatorze; ao contrário, os adolescentes daquela idade não tinham outro
ofício, nem os cantos outra utilidade. Era um coqueiro velho, e eu cria nos coqueiros velhos, mais ainda que nos velhos
livros. Pássaros, borboletas, uma cigarra que ensaiava o estio, toda a gente viva do ar era da mesma opinião.
Com que então eu amava Capitu, e Capitu a mim? Realmente, andava cosido às saias dela, mas não me ocorria nada
entre nós que fosse deveras secreto. Antes dela ir para o colégio, eram tudo travessuras de criança; depois que saiu do
colégio, é certo que não restabelecemos logo a antiga intimidade, mas esta voltou pouco a pouco, e no último ano era
completa. Entretanto, a matéria das nossas conversações era a de sempre. Capitu chamava-me às vezes bonito, mocetão,
uma flor; outras pegava-me nas mãos para contar-me os dedos. E comecei a recordar esses e outros gestos e palavras, o
prazer que sentia quando ela me passava a mão pelos cabelos, dizendo que os achava lindíssimos. Eu, sem fazer o mesmo
aos dela, dizia que os dela eram muito mais lindos que os meus. Então Capitu abanava a cabeça com uma grande expressão
de desengano e melancolia, tanto mais de espantar quanto que tinha os cabelos realmente admiráveis; mas eu retorquia
chamando-lhe maluca. Quando me perguntava se sonhara com ela na véspera, e eu dizia que não, ouvia-lhe contar que
sonhara comigo, e eram aventuras extraordinárias, que subíamos ao Corcovado pelo ar, que dançávamos na lua, ou então
que os anjos vinham perguntar-nos pelos nomes, a fim de os dar a outros anjos que acabavam de nascer. Em todos esses
sonhos andávamos unidinhos. Os que eu tinha com ela não eram assim, apenas reproduziam a nossa familiaridade, e muita
vez não passavam da simples repetição do dia, alguma frase, algum gesto. Também eu os contava. Capitu um dia notou a
diferença, dizendo que os dela eram mais bonitos que os meus; eu, depois de certa hesitação, disse-lhe que eram como a
pessoa que sonhava... Fez-se cor de pitanga.
Pois, francamente, só agora entendia a emoção que me davam essas e outras confidências. A emoção era doce e nova,
mas a causa dela fugia-me, sem que eu a buscasse nem suspeitasse. Os silêncios dos últimos dias, que me não descobriam
nada, agora os sentia como sinais de alguma coisa, e assim as meias palavras, as perguntas curiosas, as respostas vagas, os
cuidados, o gosto de recordar a infância. Também adverti que era fenômeno recente acordar com o pensamento em Capitu,
e escutá-la de memória, e estremecer quando lhe ouvia os passos. Se se falava nela, em minha casa, prestava mais atenção
que dantes, e, segundo era louvor ou crítica, assim me trazia gosto ou desgosto mais intensos que outrora, quando éramos
somente companheiros de travessuras. Cheguei a pensar nela durante as missas daquele mês, com intervalos, é verdade, mas
com exclusivismo também.
Tudo isto me era agora apresentado pela boca de José Dias, que me denunciara a mim mesmo, e a quem eu perdoava
tudo, o mal que dissera, o mal que fizera, e o que pudesse vir de um e de outro. Naquele instante, a eterna Verdade não valeria
mais que ele, nem a eterna Bondade, nem as demais Virtudes eternas. Eu amava Capitu! Capitu amava-me! E as minhas
pernas andavam, desandavam, estacavam, trêmulas e crentes de abarcar o mundo. Esse primeiro palpitar da seiva, essa
revelação da consciência a si própria, nunca mais me esqueceu, nem achei que lhe fosse comparável qualquer outra sensação
da mesma espécie. Naturalmente por ser minha. Naturalmente também por ser a primeira.

CAPÍTULO XI ( A Promessa )

Tão depressa vi desaparecer o agregado no corredor, deixei o esconderijo, e corri à varanda do fundo. Não quis saber
de lágrimas nem da causa que as fazia verter a minha mãe. A causa eram provavelmente os seus projetos eclesiásticos, e a
ocasião destes é a que vou dizer, por ser já então história velha; datava de dezesseis anos.
Os projetos vinham do tempo em que fui concebido. Tendo-lhe nascido morto o primeiro filho, minha mãe pegou-se
com Deus para que o segundo vingasse, prometendo, se fosse varão, metê-lo na Igreja. Talvez esperasse uma menina. Não
disse nada a meu pai, nem antes, nem depois de me dar à luz; contava fazê-lo quando eu entrasse para a escola, mas enviuvou
antes disso. Viúva, sentiu o terror de separar-se de mim; mas era tão devota, tão temente a Deus, que buscou testemunhas da
obrigação, confiando a promessa a parentes e familiares. Unicamente, para que nos separássemos o mais tarde possível, fezme aprender em casa primeiras letras, latim e doutrina, por aquele Padre Cabral, velho amigo do tio Cosme, que ia lá jogar
às noites.
Prazos largos são fáceis de subscrever; a imaginação os faz infinitos. Minha mãe esperou que os anos viessem vindo.
Entretanto, ia-me afeiçoando à idéia da Igreja; brincos de criança, livros devotos, imagens de santo, conversações de casa,
tudo convergia para o altar. Quando íamos à missa, dizia-me sempre que era para aprender a ser padre, e que reparasse no
padre, não tirasse os olhos do padre. Em casa, brincava de missa, — um tanto às escondidas, porque minha mãe dizia que
missa não era coisa de brincadeira. Arranjávamos um altar, Capitu e eu. Ela servia de sacristão, e alterávamos o ritual, no
sentido de dividirmos a hóstia entre nós; a hóstia era sempre um doce. No tempo em que brincávamos assim, era muito
comum ouvir à minha vizinha: “Hoje há missa?” Eu já sabia o que isto queria dizer, respondia afirmativamente, e ia pedir
hóstia por outro nome. Voltava com ela, arranjávamos o altar, engrolávamos o latim e precipitávamos as cerimônias. Dominus,
non sum dignus... Isto, que eu devia dizer três vezes, penso que só dizia uma, tal era a gulodice do padre e do sacristão. Não
bebíamos vinho nem água; não tínhamos o primeiro, e a segunda viria tirar-nos o gosto do sacrifício.
Ultimamente não me falavam já do seminário, a tal ponto que eu supunha ser negócio findo. Quinze anos, não havendo
vocação, pediam antes o seminário do mundo que o de S. José. Minha mãe ficava muita vez a olhar para mim, como alma
perdida, ou pegava-me na mão, a pretexto de nada, para apertá-la muito.

CAPÍTULO X ( Aceito a Teoria )

Que é demasiada metafísica para um só tenor, não há dúvida; mas a perda da voz explica tudo, e há filósofos que são,
em resumo, tenores desempregados.
Eu, leitor amigo, aceito a teoria do meu velho Marcolini, não só pela verossimilhança, que é muita vez toda a verdade,
mas porque a minha vida se casa bem à definição. Cantei um duo terníssimo, depois um trio, depois um  quatuor... Mas não
adiantemos; vamos à primeira parte, em que eu vim a saber que já cantava, porque a denúncia de José Dias, meu caro leitor,
foi dada principalmente a mim. A mim é que ele me denunciou.

CAPÍTULO IX ( A Ópera )

Já não tinha voz, mas teimava em dizer que a tinha. “O desuso é que me faz mal”, acrescentava. Sempre que uma
companhia nova chegava da Europa, ia ao empresário e expunha-lhe toda as injustiças da terra e do céu; o empresário
cometia mais uma, e ele saía a bradar contra a iniqüidade. Trazia ainda os bigodes dos seus papéis. Quando andava, apesar
de velho, parecia cortejar uma princesa de Babilônia. Às vezes, cantarolava, sem abrir a boca, algum trecho ainda mais
idoso que ele ou tanto; vozes assim abafadas são sempre possíveis. Vinha aqui jantar comigo algumas vezes. Uma noite,
depois de muito Chianti, repetiu-me a definição do costume, e como eu lhe dissesse que a vida tanto podia ser uma ópera
como uma viagem de mar ou uma batalha, abanou a cabeça e replicou:
— A vida é uma ópera e uma grande ópera. O tenor e o barítono lutam pelo soprano, em presença do baixo e dos
comprimários, quando não são o soprano e o contralto que lutam pelo tenor, em presença do mesmo baixo e dos mesmos
comprimários. Há coros numerosos, muitos bailados, e a orquestração é excelente...
— Mas, meu caro Marcolini...
— Quê?...
E, depois de beber um gole de licor, pousou o cálix, e expôs-me a história da criação, com palavras que vou resumir.
Deus é o poeta. A música é de Satanás, jovem maestro de muito futuro, que aprendeu no conservatório do céu. Rival de
Miguel, Rafael e Gabriel, não tolerava a precedência que eles tinham na distribuição dos prêmios. Pode ser também que a
música em demasia doce e mística daqueles outros condiscípulos fosse aborrecível ao seu gênio essencialmente trágico.
Tramou uma rebelião que foi descoberta a tempo, e ele expulso do conservatório. Tudo se teria passado sem mais nada, se
Deus não houvesse escrito um libreto de ópera, do qual abrira mão, por entender que tal gênero de recreio era impróprio da
sua eternidade. Satanás levou o manuscrito consigo para o inferno. Com o fim de mostrar que valia mais que os outros — e
acaso para reconciliar-se com o céu —, compôs a partitura, e logo que a acabou foi levá-la ao Padre Eterno.
— Senhor, não desaprendi as lições recebidas, disse-lhe. Aqui tendes a partitura, escutai-a, emendai-a, fazei-a executar,
e se a achardes digna das alturas, admiti-me com ela a vossos pés...
— Não, retorquiu o Senhor, não quero ouvir nada.
— Mas, senhor...
— Nada! nada!

Satanás suplicou ainda, sem melhor fortuna, até que Deus, cansado e cheio de misericórdia, consentiu em que a ópera
fosse executada, mas fora do céu. Criou um teatro especial, este planeta, e inventou uma companhia inteira, com todas as
partes, primárias e comprimárias, coros e bailarinos.
— Ouvi agora alguns ensaios!
— Não, não quero saber de ensaios. Basta-me haver composto o libreto; estou pronto a dividir contigo os direitos de
autor.
Foi talvez um mal esta recusa; dela resultaram alguns desconcertos que a audiência prévia e a colaboração amiga teriam
evitado. Com efeito, há lugares em que o verso vai para a direita e a música para a esquerda. Não falta quem diga que nisso
mesmo está a beleza da composição, fugindo à monotonia, e assim explicam o terceto do Éden, a ária de Abel, os coros da
guilhotina e da escravidão. Não é raro que os mesmos lances se reproduzam, sem razão suficiente. Certos motivos cansam
à força de repetição. Também há obscuridades; o maestro abusa das massas corais, encobrindo muita vez o sentido por um
modo confuso. As partes orquestrais são aliás tratadas com grande perícia. Tal é a opinião dos imparciais.
Os amigos do maestro querem que dificilmente se possa achar obra tão bem acabada. Um ou outro admite certas
rudezas e tais ou quais lacunas, mas com o andar da ópera é provável que estas sejam preenchidas ou explicadas, e aquelas
desapareçam inteiramente, não se negando o maestro a emendar a obra onde achar que não responde de todo ao pensamento
sublime do poeta. Já não dizem o mesmo os amigos deste. Juram que o libreto foi sacrificado, que a partitura corrompeu o
sentido da letra, e, posto seja bonita em alguns lugares, e trabalhada com arte em outros, é absolutamente diversa e até
contrária ao drama. O grotesco, por exemplo, não está no texto do poeta; é uma excrescência para imitar as Mulheres
patuscas de Windsor. Este ponto é contestado pelos satanistas com alguma aparência de razão. Dizem eles que, ao tempo em
que o jovem Satanás compôs a grande ópera, nem essa farsa nem Shakespeare eram nascidos. Chegam a afirmar que o poeta
inglês não teve outro gênio senão transcrever a letra da ópera, com tal arte e fidelidade, que parece ele próprio o autor da
composição; mas, evidentemente, é um plagiário.
— Esta peça, concluiu o velho tenor, durará enquanto durar o teatro, não se podendo calcular em que tempo será ele
demolido por utilidade astronômica. O êxito é crescente. Poeta e músico recebem pontualmente os seus direitos autorais,
que não são os mesmos, porque a regra da divisão é aquilo da Escritura: “Muitos são os chamados, poucos os escolhidos”.
Deus recebe em ouro, Satanás em papel.
— Tem graça...
— Graça? bradou ele com fúria; mas aquietou-se logo, e replicou: — Caro Santiago, eu não tenho graça, eu tenho
horror à graça. Isto que digo é a verdade pura e última. Um dia, quando todos os livros forem queimados por inúteis, há de
haver alguém, pode ser que tenor, e talvez italiano, que ensine esta verdade aos homens. Tudo é música, meu amigo. No
princípio era o dó, e o dó fez-se ré etc. Este cálix (e enchia-o novamente), este cálix é um breve estribilho. Não se ouve?
Também não se ouve o pau nem a pedra, mas tudo cabe na mesma ópera...

CAPÍTULO VIII ( É Tempo )

Mas é tempo de tornar àquela tarde de novembro, uma tarde clara e fresca, sossegada como a nossa casa e o trecho da
rua em que morávamos. Verdadeiramente foi o princípio da minha vida; tudo o que sucedera antes foi como o pintar e vestir
das pessoas que tinham de entrar em cena, o acender das luzes, o preparo das rabecas, a sinfonia... Agora é que eu ia começar
a minha ópera. “A vida é uma ópera”, dizia-me um velho tenor italiano que aqui viveu e morreu... E explicou-me um dia a
definição, em tal maneira que me fez crer nela. Talvez valha a pena dá-la; é só um capítulo.

CAPÍTULO VII ( D. Glória )

Minha mãe era boa criatura. Quando lhe morreu o marido, Pedro de Albuquerque Santiago, contava trinta e um anos de
idade, e podia voltar para Itaguaí. Não quis; preferiu ficar perto da igreja em que meu pai fora sepultado. Vendeu a fazendola
e os escravos, comprou alguns que pôs ao ganho ou alugou, uma dúzia de prédios, certo número de apólices, e deixou-se
estar na casa de Matacavalos, onde vivera os dois últimos anos de casada. Era filha de uma senhora mineira, descendente de
outra paulista, a família Fernandes.
Ora, pois, naquele ano da graça de 1857, D. Maria da Glória Fernandes Santiago contava quarenta e dois anos de idade.
Era ainda bonita e moça, mas teimava em esconder os saldos da juventude, por mais que a natureza quisesse preservá-la da
ação do tempo. Vivia metida em um eterno vestido escuro, sem adornos, com um xale preto, dobrado em triângulo e
abrochado ao peito por um camafeu. Os cabelos, em bandós, eram apanhados sobre a nuca por um velho pente de tartaruga;
alguma vez trazia touca branca de folhos. Lidava assim, com os seus sapatos de cordavão rasos e surdos, a um lado e outro,
vendo e guiando os serviços todos da casa inteira, desde manhã até a noite.
Tenho ali na parede o retrato dela, ao lado do do marido, tais quais na outra casa. A pintura escureceu muito, mas ainda
dá idéia de ambos. Não me lembra nada dele, a não ser vagamente que era alto e usava cabeleira grande; o retrato mostra uns
olhos redondos, que me acompanham para todos os lados, efeito da pintura que me assombrava em pequeno. O pescoço sai
de uma gravata preta de muitas voltas, a cara é toda rapada, salvo um trechozinho pegado às orelhas. O de minha mãe mostra
que era linda. Contava então vinte anos, e tinha uma flor entre os dedos. No painel parece oferecer a flor ao marido. O que
se lê na cara de ambos é que, se a felicidade conjugal pode ser comparada à sorte grande, eles a tiraram no bilhete comprado
de sociedade.
Concluo que não se devem abolir as loterias. Nenhum premiado as acusou ainda de imorais, como ninguém tachou de
má a boceta de Pandora, por lhe ter ficado a esperança no fundo; em alguma parte há de ela ficar. Aqui os tenho aos dois bem
casados de outrora, os bem-amados, os bem-aventurados, que se foram desta para a outra vida, continuar um sonho
provavelmente. Quando a loteria e Pandora me aborrecem, ergo os olhos para eles, e esqueço os bilhetes brancos e a boceta
fatídica. São retratos que valem por originais. O de minha mãe, estendendo a flor ao marido, parece dizer: “Sou toda sua,
meu guapo cavalheiro!” O de meu pai, olhando para a gente, faz este comentário: “Vejam como esta moça me quer...” Se
padeceram moléstias, não sei, como não sei se tiveram desgostos: era criança e comecei por não ser nascido. Depois da
morte dele, lembra-me que ela chorou muito; mas aqui estão os retratos de ambos, sem que o encardido do tempo lhes tirasse
a primeira expressão. São como fotografias instantâneas da felicidade.

CAPÍTULO VI ( Tio Cosme )

Tio Cosme vivia com minha mãe, desde que ela enviuvou. Já então era viúvo, como prima Justina; era a casa dos três
viúvos.
A fortuna troca muita vez as mãos à natureza. Formado para as serenas funções do capitalismo, tio Cosme não enriquecia
no foro: ia comendo. Tinha o escritório na antiga Rua das Violas, perto do júri, que era no extinto Aljube. Trabalhava no
Crime. José Dias não perdia as defesas orais de tio Cosme. Era quem lhe vestia e despia a toga, com muitos cumprimentos
no fim. Em casa, referia os debates. Tio Cosme, por mais modesto que quisesse ser, sorria de persuasão.
Era gordo e pesado, tinha a respiração curta e os olhos dorminhocos. Uma das minhas recordações mais antigas era vê-
lo montar todas as manhãs a besta que minha mãe lhe deu e que o levava ao escritório. O preto que a tinha ido buscar à
cocheira, segurava o freio, enquanto ele erguia o pé e pousava no estribo; a isto seguia-se um minuto de descanso ou
reflexão. Depois, dava um impulso, o primeiro, o corpo ameaçava subir, mas não subia; segundo impulso, igual efeito.
Enfim, após alguns instantes largos, Tio Cosme enfeixava todas as forças físicas e morais, dava o último surto da terra, e
desta vez caía em cima do selim. Raramente a besta deixava de mostrar por um gesto que acabava de receber o mundo. Tio
Cosme acomodava as carnes, e a besta partia a trote.
Também não me esqueceu o que ele me fez uma tarde. Posto que nascido na roça (donde vim com dois anos) e apesar
dos costumes do tempo, eu não sabia montar, e tinha medo ao cavalo. Tio Cosme pegou em mim e escanchou-me em cima
da besta. Quando me vi no alto (tinha nove anos), sozinho e desamparado, o chão lá embaixo, entrei a gritar desesperadamente:
“Mamãe! mamãe!” Ela acudiu pálida e trêmula, cuidou que me estivessem matando, apeou-me, afagou-me, enquanto o
irmão perguntava:
— Mana Glória, pois um tamanhão destes tem medo de besta mansa?
— Não está acostumado.
— Deve acostumar-se. Padre que seja, se for vigário na roça, é preciso que monte a cavalo; e, aqui mesmo, ainda não
sendo padre, se quiser florear como os outros rapazes, e não souber, há de queixar-se de você, mana Glória.
— Pois que se queixe; tenho medo.
— Medo! Ora, medo!
A verdade é que eu só vim a aprender equitação mais tarde, menos por gosto que por vergonha de dizer que não sabia
montar. “Agora é que ele vai namorar deveras”, disseram quando eu comecei as lições. Não se diria o mesmo de tio Cosme.
Nele era velho costume e necessidade. Já não dava para namoros. Contam que, em rapaz, foi aceito de muitas damas, além
de partidário exaltado; mas os anos levaram-lhe o mais do ardor político e sexual, e a gordura acabou com o resto de idéias
públicas e específicas. Agora só cumpria as obrigações do ofício e um amor. Nas horas de lazer vivia olhando ou jogava.
Uma ou outra vez dizia pilhérias.

CAPÍTULO V ( O Agregado )

Nem sempre ia naquele passo vagaroso e rígido. Também se descompunha em acionados, era muita vez rápido e lépido
nos movimentos, tão natural nesta como naquela maneira. Outrossim, ria largo, se era preciso, de um grande riso sem
vontade, mas comunicativo, a tal ponto as bochechas, os dentes, os olhos, toda a cara, toda a pessoa, todo o mundo pareciam
rir nele. Nos lances graves, gravíssimo.
Era nosso agregado desde muitos anos; meu pai ainda estava na antiga fazenda de Itaguaí, e eu acabava de nascer. Um
dia apareceu ali vendendo-se por médico homeopata; levava um Manual e uma botica. Havia então um andaço de febres;
José Dias curou o feitor e uma escrava, e não quis receber nenhuma remuneração. Então meu pai propôs-lhe ficar ali
vivendo, com pequeno ordenado. José Dias recusou, dizendo que era justo levar a saúde à casa de sapé do pobre.
— Quem lhe impede que vá a outras partes? Vá aonde quiser, mas fique morando conosco.
— Voltarei daqui a três meses.
Voltou dali a duas semanas, aceitou casa e comida sem outro estipêndio, salvo o que quisessem dar por festas. Quando
meu pai foi eleito deputado e veio para o Rio de Janeiro com a família, ele veio também, e teve o seu quarto ao fundo da
chácara. Um dia, reinando outra vez febres em Itaguaí, disse-lhe meu pai que fosse ver a nossa escravatura. José Dias
deixou-se estar calado, suspirou e acabou confessando que não era médico. Tomara este título para ajudar a propaganda da
nova escola, e não o fez sem estudar muito e muito; mas a consciência não lhe permitia aceitar mais doentes.
— Mas, você curou das outras vezes.
— Creio que sim; mais acertado, porém, é dizer que foram os remédios indicados nos livros. Eles, sim, eles abaixo de
Deus. Eu era um charlatão... Não negue; os motivos do meu procedimento podiam ser e eram dignos; a homeopatia é a
verdade, e, para servir à verdade, menti; mas é tempo de restabelecer tudo.
Não foi despedido, como pedia então; meu pai já não podia dispensá-lo. Tinha o dom de se fazer aceito e necessário;
dava-se por falta dele, como de pessoa da família. Quando meu pai morreu, a dor que o pungiu foi enorme, disseram-me, não
me lembra. Minha mãe ficou-lhe muito grata, e não consentiu que ele deixasse o quarto da chácara; ao sétimo dia, depois da
missa, ele foi despedir-se dela.
— Fique, José Dias.
— Obedeço, minha senhora.
Teve um pequeno legado no testamento, uma apólice e quatro palavras de louvor. Copiou as palavras, encaixilhou-as e pendurou-as no quarto, por cima da cama. “Esta é a melhor apólice”, dizia ele muita vez. Com o tempo, adquiriu certa
autoridade na família, certa audiência, ao menos; não abusava, e sabia opinar obedecendo. Ao cabo, era amigo, não direi
ótimo, mas nem tudo é ótimo neste mundo. E não lhe suponhas alma subalterna; as cortesias que fizesse vinham antes do
cálculo que da índole. A roupa durava-lhe muito; ao contrário das pessoas que enxovalham depressa o vestido novo, ele
trazia o velho escovado e liso, cerzido, abotoado, de uma elegância pobre e modesta. Era lido, posto que de atropelo, o
bastante para divertir ao serão e à sobremesa, ou explicar algum fenômeno, falar dos efeitos do calor e do frio, dos pólos e
de Robespierre. Contava muita vez uma viagem que fizera à Europa, e confessava que a não sermos nós, já teria voltado para
lá; tinha amigos em Lisboa, mas a nossa família, dizia ele, abaixo de Deus, era tudo.
— Abaixo ou acima? perguntou-lhe tio Cosme um dia.
— Abaixo, repetiu José Dias cheio de veneração.
E minha mãe, que era religiosa, gostou de ver que ele punha Deus no devido lugar, e sorriu aprovando. José Dias
agradeceu de cabeça. Minha mãe dava-lhe de quando em quando alguns cobres. Tio Cosme, que era advogado, confiava-lhe
a cópia de papéis de autos.

CAPÍTULO IV ( Um Dever Amaríssimo! )

José Dias amava os superlativos. Era um modo de dar feição monumental às idéias; não as havendo, servia a prolongar
as frases. Levantou-se para ir buscar o gamão, que estava no interior da casa. Cosi-me muito à parede, e vi-o passar com as
suas calças brancas engomadas, presilhas, rodaque e gravata de mola. Foi dos últimos que usaram presilhas no Rio de
Janeiro, e talvez neste mundo. Trazia as calças curtas para que lhe ficassem bem esticadas. A gravata de cetim preto, com um
aro de aço por dentro, imobilizava-lhe o pescoço; era então moda. O rodaque de chita, veste caseira e leve, parecia nele uma
casaca de cerimônia. Era magro, chupado, com um princípio de calva; teria os seus cinqüenta e cinco anos. Levantou-se com
o passo vagaroso do costume, não aquele vagar arrastado dos preguiçosos, mas um vagar calculado e deduzido, um silogismo
completo, a premissa antes da conseqüência, a conseqüência antes da conclusão. Um dever amaríssimo!

CAPÍTULO III ( A Denúncia )

Ia a entrar na sala de visitas, quando ouvi proferir o meu nome e escondi-me atrás da porta. A casa era a da Rua de
Matacavalos, o mês de novembro, o ano é que é um tanto remoto, mas eu não hei de trocar as datas à minha vida só para
agradar às pessoas que não amam histórias velhas; o ano era de 1857.
— D. Glória, a senhora persiste na idéia de meter o nosso Bentinho no seminário? É mais que tempo, e já agora pode
haver uma dificuldade.
— Que dificuldade?
— Uma grande dificuldade.
Minha mãe quis saber o que era. José Dias, depois de alguns instantes de concentração, veio ver se havia alguém no
corredor; não deu por mim, voltou e, abafando a voz, disse que a dificuldade estava na casa ao pé, a gente do Pádua.
— A gente do Pádua?
— Há algum tempo estou para lhe dizer isto, mas não me atrevia. Não me parece bonito que o nosso Bentinho ande
metido nos cantos com a filha do Tartaruga, e esta é a dificuldade, porque se eles pegam de namoro, a senhora terá muito
que lutar para separá-los.
— Não acho. Metidos nos cantos?
— É um modo de falar. Em segredinhos, sempre juntos. Bentinho quase que não sai de lá. A pequena é uma desmiolada;
o pai faz que não vê; tomara ele que as coisas corressem de maneira que... Compreendo o seu gesto; a senhora não crê em
tais cálculos, parece-lhe que todos têm a alma cândida...
— Mas, Sr. José Dias, tenho visto os pequenos brincando, e nunca vi nada que faça desconfiar. Basta a idade; Bentinho
mal tem quinze anos. Capitu fez quatorze à semana passada; são dois criançolas. Não se esqueça que foram criados juntos,
desde aquela grande enchente, há dez anos, em que a família Pádua perdeu tanta coisa; daí vieram as nossas relações. Pois
eu hei de crer...? Mano Cosme, você que acha?
Tio Cosme repondeu com um “Ora!” que, traduzido em vulgar, queria dizer: “São imaginações do José Dias; os pequenos
divertem-se, eu divirto-me; onde está o gamão?”
— Sim, creio que o senhor está enganado.
— Pode ser, minha senhora. Oxalá tenham razão; mas creia que não falei senão depois de muito examinar...
— Em todo caso, vai sendo tempo, interrompeu minha mãe; vou tratar de metê-lo no seminário quanto antes.
— Bem, uma vez que não perdeu a idéia de o fazer padre, tem-se ganho o principal. Bentinho há de satisfazer os desejos
de sua mãe. E depois a igreja brasileira tem altos destinos. Não esqueçamos que um bispo presidiu a Constituinte, e que o
Padre Feijó governou o império...
— Governou como a cara dele! atalhou tio Cosme, cedendo a antigos rancores políticos.
— Perdão, doutor, não estou defendendo ninguém, estou citando. O que eu quero é dizer que o clero ainda tem grande
papel no Brasil.
— Você o que quer é um capote; ande, vá buscar o gamão. Quanto ao pequeno, se tem de ser padre, realmente é melhor
que não comece a dizer missa atrás das portas. Mas olhe cá, mana Glória, há mesmo necessidade de fazê-lo padre?
— É promessa, há de cumprir-se.
— Sei que você fez promessa.. mas, uma promessa assim... não sei... Creio que, bem pensado... Você que acha, prima
Justina?
— Eu?
— Verdade é que  cada um sabe melhor de si, continuou tio Cosme; Deus é que sabe de todos. Contudo, uma promessa
de tantos anos... Mas, que é isso, mana Glória? Está chorando? Ora esta! Pois isto é coisa de lágrimas?
Minha mãe assoou-se sem responder. Prima Justina creio que se levantou e foi ter com ela. Seguiu-se um alto silêncio,
durante o qual estive a pique de entrar na sala, mas outra força maior, outra emoção... Não pude ouvir as palavras que tio
Cosme entrou a dizer. Prima Justina exortava: “Prima Glória! prima Glória!” José Dias desculpava-se: “Se soubesse, não
teria falado, mas falei pela veneração, pela estima, pelo afeto, para cumprir um dever amargo, um dever amaríssimo...”

CAPÍTULO II ( Do livro )

Agora que expliquei o título, passo a escrever o livro. Antes disso, porém, digamos os motivos que me põem a pena na
mão.
Vivo só, com um criado. A casa em que moro é própria; fi-la construir de propósito, levado de um desejo tão particular
que me vexa imprimi-lo, mas vá lá. Um dia, há bastantes anos, lembrou-me reproduzir no Engenho Novo a casa em que me
criei na antiga Rua de Matacavalos, dando-lhe o mesmo aspecto e economia daquela outra, que desapareceu. Construtor e pintor entenderam bem as indicações que lhes fiz: é o mesmo prédio assobradado, três janelas de frente, varanda ao fundo,
as mesmas alcovas e salas. Na principal destas, a pintura do teto e das paredes é mais ou menos igual, umas grinaldas de
flores miúdas e grandes pássaros que as tomam nos bicos, de espaço a espaço. Nos quatro cantos do teto as figuras das
estações, e ao centro das paredes os medalhões de César, Augusto, Nero e Massinissa, com os nomes por baixo... Não
alcanço a razão de tais personagens. Quando fomos para a casa de Matacavalos, já ela estava assim decorada; vinha do
decênio anterior. Naturalmente era gosto do tempo meter sabor clássico e figuras antigas em pinturas americanas. O mais é
também análogo e parecido. Tenho chacarinha, flores, legume, uma casuarina, um poço e lavadouro. Uso louça velha e
mobília velha. Enfim, agora, como outrora, há aqui o mesmo contraste da vida interior, que é pacata, com a exterior, que é
ruidosa.
O meu fim evidente era atar as duas pontas da vida, e restaurar na velhice a adolescência. Pois, senhor, não consegui
recompor o que foi nem o que fui. Em tudo, se o rosto é igual, a fisionomia é diferente. Se só me faltassem os outros, vá; um
homem consola-se mais ou menos das pessoas que perde; mas falto eu mesmo, e esta lacuna é tudo. O que aqui está é, mal
comparando, semelhante à pintura que se põe na barba e nos cabelos, e que apenas conserva o hábito externo, como se diz
nas autópsias; o interno não agüenta tinta. Uma certidão que me desse vinte anos de idade poderia enganar os estranhos,
como todos os documentos falsos, mas não a mim. Os amigos que me restam são de data recente; todos os antigos foram
estudar a geologia dos campos santos. Quanto às amigas, algumas datam de quinze anos, outras de menos, e quase todas
crêem na mocidade. Duas ou três fariam crer nela aos outros, mas a língua que falam obriga muita vez a consultar os
dicionários, e tal freqüência é cansativa.
Entretanto, vida diferente não quer dizer vida pior; é outra coisa. A certos respeitos, aquela vida antiga aparece-me
despida de muitos encantos que lhe achei; mas é também exato que perdeu muito espinho que a fez molesta, e, de memória,
conservo alguma recordação doce e feiticeira. Em verdade, pouco apareço e menos falo. Distrações raras. O mais do tempo
é gasto em hortar, jardinar e ler; como bem e não durmo mal.
Ora, como tudo cansa, esta monotonia acabou por exaurir-me também. Quis variar, e lembrou-me escrever um livro.
Jurisprudência, filosofia e política acudiram-me, mas não me acudiram as forças necessárias. Depois, pensei em fazer uma
História dos Subúrbios, menos seca que as memórias do Padre Luís Gonçalves dos Santos, relativas à cidade; era obra
modesta, mas exigia documentos e datas, como preliminares, tudo árido e longo. Foi então que os bustos pintados nas
paredes entraram a falar-me e a dizer-me que, uma vez que eles não alcançavam reconstituir-me os tempos idos, pegasse da
pena e contasse alguns. Talvez a narração me desse a ilusão, e as sombras viessem perpassar ligeiras, como ao poeta, não o
do trem, mas o do Fausto: Aí vindes outra vez, inquietas sombras...?
Fiquei tão alegre com esta idéia, que ainda agora me treme a pena na mão. Sim, Nero, Augusto, Massinissa, e tu, grande
César, que me incitas a fazer os meus comentários, agradeço-vos o conselho, e vou deitar ao papel as reminiscências que me
vierem vindo. Deste modo, viverei o que vivi, e assentarei a mão para alguma obra de maior tomo. Eia, comecemos a
evocação por uma célebre tarde de novembro, que nunca me esqueceu. Tive outras muitas, melhores, e piores, mas aquela
nunca se me apagou do espírito. É o que vais entender, lendo.

Capítulo 1.

DOM CASMURRO
Machado de Assis

Uma noite destas, vindo da cidade para o Engenho Novo, encontrei no trem da Central um rapaz aqui do bairro, que eu
conheço de vista e de chapéu. Cumprimentou-me, sentou-se ao pé de mim, falou da lua e dos ministros, e acabou recitandome versos. A viagem era curta, e os versos pode ser que não fossem inteiramente maus. Sucedeu, porém, que, como eu estava
cansado, fechei os olhos três ou quatro vezes; tanto bastou para que ele interrompesse a leitura e metesse os versos no bolso.
— Continue, disse eu acordando.
— Já acabei, murmurou ele.
— São muito bonitos.
Vi-lhe fazer um gesto para tirá-los outra vez do bolso, mas não passou do gesto; estava amuado. No dia seguinte entrou
a dizer de mim nomes feios, e acabou alcunhando-me Dom Casmurro. Os vizinhos, que não gostam dos meus hábitos
reclusos e calados, deram curso à alcunha, que afinal pegou. Nem por isso me zanguei. Contei a anedota aos amigos da
cidade, e eles, por graça, chamam-me assim, alguns em bilhetes: “Dom Casmurro, domingo vou jantar com você.” — “Vou
para Petrópolis, Dom Casmurro; a casa é a mesma da Renânia; vê se deixas essa caverna do Engenho Novo, e vai lá passar
uns quinze dias comigo.” — “Meu caro Dom Casmurro, não cuide que o dispenso do teatro amanhã; venha e dormirá aqui
na cidade; dou-lhe camarote, dou-lhe chá, dou-lhe cama; só não lhe dou moça.”
Não consultes dicionários. Casmurro não está aqui no sentido que eles lhe dão, mas no que lhe pôs o vulgo de homem
calado e metido consigo. Dom veio por ironia, para atribuir-me fumos de fidalgo. Tudo por estar cochilando! Também não
achei melhor título para a minha narração; se não tiver outro daqui até o fim do livro, vai este mesmo. O meu poeta do trem
ficará sabendo que não lhe guardo rancor. E com pequeno esforço, sendo o título seu, poderá cuidar que a obra é sua. Há
livros que apenas terão isso dos seus autores; alguns nem tanto.
“É que um dia alguém nos ensina que quando é pra ser a gente sente.”
Clarissa Corrêa
“O amor não é uma palavra bonita. O maior problema do mundo, hoje, é esse. As pessoas acham que falar basta. Não, falar não basta.”
Clarissa Corrêa.
“Acredita em anjo?
Pois é, sou o seu
Soube que anda triste
Que sente falta de alguém
Que não quer amar ninguém
Por isso estou aqui
Vim cuidar de você
Te proteger, te fazer sorrir
Te entender, te ouvir
E quando tiver cansada
Cantar pra você dormir
Te colocar sobre as minhas asas
Te apresentar as estrelas do meu céu
Passar em Saturno e roubar o seu mais lindo anel
Vou secar qualquer lágrima
Que ousar cair
Vou desviar todo mal do seu pensamento
Vou estar contigo a todo momento
Sem que você me veja
Vou fazer tudo que você deseja
Mas, de repente você me beija
O coração dispara
E a consciência sente dor
E eu descubro que além de anjo
Eu posso ser seu amor.”
Anjo, Banda Eva
“— Xururuca, vim fazer uma coisa.
— O que é?
— Vamos esperar um pouco?
— Vamos.
Sentei e encostei minha cabeça no seu tronquinho.
— Que é que nós vamos esperar, Zezé?
— Que passe uma nuvem bem bonita no céu.
— Pra quê?
— Vou soltar o meu passarinho.
— Vou, sim. Não preciso mais dele…
Ficamos olhando o céu.
— É aquela, Minguinho?
A nuvem vinha andando devagar, bem grande, como se fosse uma folha branca toda recortada.
— É aquela, Minguinho.
Levantei emocionado e abri a camisa. Senti que ele ia saindo do meu peito magro.
— Voa, meu passarinho. Bem alto. Vá subindo e pouse no dedo de Deus. Deus vai levar você para outro menininho e você vai cantar bonito como sempre cantou para mim. Adeus, meu passarinho lindo!
Senti um vazio por dentro que não acabava mais.
— Olhe, Zezé. Ele pousou no dedo da nuvem.
— Eu vi.
Encostei minha cabeça no coração de Minguinho e fiquei olhando a nuvem ir-se embora.
— Eu nunca fui malvado com ele…
Aí virei o meu rosto contra o seu galho.
— Xururuca.
— Que foi?
— Fica feio se eu chorar?
— Nunca é feio chorar, bobo. Por quê?
— Não sei, ainda não me acostumei. Parece que aqui dentro a minha gaiola ficou vazia demais…”
Meu Pé de Laranja Lima. 
“Na sociedade em que vivemos, você é julgado até por ficar calado.”
(Autor Desconhecido)

“Bordo palavras, costuro sonhos, desato em pensamentos.”
Clarissa Corrêa
Preciso tanto aproveitar você.
Olhar teus olhos, beijar tua boca.
Ouvir palavras de um futuro bom…
Jota Quest
Acho que o amor, quando é amor, tem lá suas dores bonitas.
Clarissa Corrêa 
O que eu realmente quero que você saiba é que não importa o tempo que passe, o que aconteça ou o que a vida nos ensine. Não interessa quem somos ou quem vamos nos tornar. O que vale é o que carregamos dentro de nós. E você, guarde isso na memória para todo o sempre, eu te carrego junto comigo todos os dias.
Clarissa Corrêa. 
Muitas vezes não é medo de se apaixonar novamente, é só o anti-vírus avisando ao coração que pode ser mais um Cavalo de Tróia.
Tati Bernardi 
Somente uma coisa me faria bem agora. Seria adormecer com a cabeça no seu colo, você me dizendo bobagenzinhas gostosas para eu esquecer a ruindade do mundo.
(Clarice Lispector, em carta à Maury Gurgel Valente)
Que em 2012 as pessoas cuidem mais de suas vidas, guardem a indelicadeza no bolso, leiam mais, amem mais e escrevam corretamente.
Clarissa Corrêa 
“Eu não queria voltar no assunto, mas sabe, dói muito saber que definitivamente você está sumindo da minha vida.”
Tati Bernardi  
“Eu não tenho muitas respostas. O que eu tenho é fé.
E uma vontade bonita, toda minha, de crescer.”
Ana Jácomo 
Que friagem nenhuma seja capaz de encabular o nosso calor mais bonito.”
Caio Fernando Abreu
““O médico perguntou: 
— O que sentes?
E eu respondi: 
— Sinto lonjuras, doutor. Sofro de distâncias.”
Caio F. Abreu  
“O que me doí não é
O que há no coração
Mas essas coisas lindas
Que nunca existirão…”
Fernando Pessoa 
“Lágrimas rolam no rosto, quando você perde algo que não pode substituir.”
Coldplay 

“Então de repente, vem aquela pessoa… Quando você menos espera, e te deixa sorrindo a toa.”
Renato Russo